Minha vida de cachorro

Seu Jakcs: era assim que todos chamavam um dos guardas da Prefeitura Municipal de Sertãozinho. Trabalhava dia sim, dia não, pois revesava o turno com outro guarda.
Todos os dias em que era a vez dele de guardar a portaria da Prefeitura, nós batiamos um papinho enquanto eu esperava minha mãe que, para variar, vivia atrasada para me buscar.
Em seis meses de estágio na assessoria de imprensa de lá, eu já tinha amizade com asaxineiras, telefonitas, motoristas e também com os guardas, especialmente com seu Jacks que, por ser muito falante e bem humorado, sempre enggambelava o tédio da espera.
Ele era um senhor de uns 55 anos, casado e com uma filha. Eu não me recordo o nome das mulheres que faziam parte da vida dele, mas jamais vou esquecer o nome do cachorrinho que acompanhou a infância daquele mineiro: Xolinha, era o nome dele.
Eu, que sempre gostei de cachorro, iniciei a conversa: "Seu Jacks, você tem cachorro?" E com o sotaque amineirado ele respondeu: "Então, minha amiga Lívia, não tenho, não! Apanhei muito por causa de um cachorrinho e decidi que jamais teria outro. Da muito trabalho!"
Indaguei o guarda o motivo das palmadas e foi então que ele me explicou toda a sua meninice com Xolinha, na Bahia.
Ganhou o cãozinho de um vizinho, muito seu amigo, quando tinha 12 anos de idade. A cadela dele havia dado cria de 6 filhotinhos e o menino o presenteou com um deles.
A família toda se afeiçoou ao cachorro, especialmente o pai, que defendia o bichinho de tudo a ponto de atribuir culpa ao filho de certos infortúnios que aconteciam com o cão, como atropelamentos, sustos e tombos de caminhão de mudança.
"A primeira surra que meu pai me deu por conta do cãozinho, Lívia, foi quando fui passear com ele na praia. Tava brincando com Xolinha quando um jipe da polícia bateu nessa parte aqui do cachorro (apontando para o braço). Quase passou por cima do bixinho!"
Seu Jacks contou que o pai fez com que ele cuidasse do cachorro em tempo quase que integral. "Eu dava polenta para ele todos os dias."
Depois o tempo passou e o cachorrinho voltou às boas. Acompanhava seu Jacks até a escola todos os dias e depois retornava para casa, até que um dia seu Jacks levou outra surra do pai e dessa vez o garoto não teve um mínimo de culpa. "Um militar, por pura maldade, deu um tiro no chão para assustar o pobrezinho do cachorro."
Ai veio o caminhão de mudança. Quando seu Jacks e a família ia da Bahia para Minas Gerais (onde conquistou seu marcado sotaque), Xolinha caiu do caminhão de mudança. O tombo foi feio, Xolinha e seu Jacks sairam bem machucados, mas ambos se recuperaram.
Depois seu Jacks veio para São Paulo e o cãozinho ficou com o irmão. "Dos seis cãezinhos, Lívia, só o meu durou tanto tempo, tamanho era o cuidado que eu tive com ele. Era um vira lata que viveu 17 anos. Sabe como ele morreu, Lívia?". "Como, seu Jacks?" "Morreu de velhice."

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